Caso Benício: testemunhas afirmam que médica tentou adulterar prontuário para omitir erro após morte, diz delegado
07/12/2025
(Foto: Reprodução) Caso Benício: veja cronologia do atendimento que levou à morte de criança
Ao menos três testemunhas afirmaram, em depoimento à polícia, que a médica Juliana Brasil Santos tentou adulterar o prontuário médico para omitir o erro na prescrição de altas doses de adrenalina, o que resultou na morte de Benício Xavier, de 6 anos, em Manaus. A informação foi divulgada pelo delegado Marcelo Martins, que investiga o caso.
Benício morreu na madrugada do dia 23 de novembro. A médica admitiu o erro em um documento enviado à polícia e em mensagens em que pediu ajuda ao médico Enryko Queiroz, mas a defesa dela afirma que a confissão foi feita "no calor do momento". A técnica de enfermagem Raiza Bentes Paiva, responsável pela aplicação do medicamento, também é investigada. Ambas respondem ao inquérito em liberdade.
"Essa é uma afirmação de algumas testemunhas. Nós temos três testemunhas que indicaram, que apontaram essa situação e que eu trouxe a público uma vez que todos os advogados estão tendo acesso a todos os depoimentos".
Segundo o delegado, a tentativa de adulteração foi relatada por pessoas que trabalhavam no hospital no momento do atendimento.
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"A médica teria tentado obter acesso à prescrição médica original para suprimi-la e editar os dados no sistema para que não aparecesse o fato dela ter prescrito errado a adrenalina pela via endovenosa e não pela via de nebulização", disse Martins.
Ainda conforme autoridade policial, as circunstâncias podem agravar a situação da médica. Ele afirma que a polícia avalia a questão do dolo eventual, ou seja, se houve alguma indiferença em relação à vida de Benício.
"Estamos nos atentando a todos esses detalhes para poder verificar se teve dolo eventual ou se foi só um homicídio culposo e até que ponto a ação ou omissão dos envolvidos culminou na morte da criança".
Apesar dos relatos apontarem que houve tentativa de manipular as provas por parte de Juliana, Martins explica que um pedido de prisão não pode ser feito devido a uma liminar deferida no pedido de Habeas Corpus apresentado pela defesa da médica e aceito pela Justiça.
"Se não fosse esse Habeas Corpus, isso seria uma causa forte de prisão pois adulteração de provas é um elemento forte de pedido de prisão. De toda forma, como existe essa liminar deferida no Habeas Corpus, não pode ser formulado novo pedido uma vez que está, desde já, vetado preventivamente qualquer tipo de segregação de liberdade em relação a doutora Juliana Brasil", diz o delegado.
Na terça (2), outras seis pessoas foram escutadas, entre elas um médico e três enfermeiros que estavam de plantão na UTI do Hospital Santa Júlia no dia da morte. Os pais de Benício também foram chamados para confirmar informações já recebidas pela polícia.
A polícia ouviu também, na segunda (1º), o médico Enryko Garcia, que confirmou a troca de mensagens com a médica Juliana Brasil, e o enfermeiro Tairo Neves Maciel, que confirmou a versão da técnica de enfermagem de ter ficado sozinha no atendimento, contrariando o relato da médica.
Médica Juliana Brasil Santos e a Técnica de enfermagem Raiza Bentes Paiva investigadas no Caso Benício
Rede Amazônica
Defesa alega falha no sistema do hospital e família contesta
A defesa de Juliana Brasil Santos afirmou que a médica reconheceu o erro “no calor do momento” e sustenta que uma falha no sistema automatizado do Hospital Santa Júlia teria alterado a via de administração registrada pela médica.
Os advogados afirmam que a mudança não foi percebida pela médica e insistem que falhas estruturais da unidade contribuíram para o agravamento do quadro do menino.
"Juliana não escreveu a prescrição manualmente. Hoje, as prescrições são feitas por um sistema automatizado. Quando ela escreve a via de administração, o próprio sistema pode entender que está incorreta e alterá-la automaticamente. Isso já foi relatado por outros profissionais. Se fosse uma prescrição escrita, o erro não teria acontecido", disse o advogado Felipe Braga.
O delegado, no entanto, afirma que apenas o resultado de uma perícia técnica realizada no sistema do hospital poderá concluir se houve a falha.
No sábado (6), os pais de Benício publicaram uma carta aberta em que contestam a versão apresentada pela defesa de Juliana Brasil.
"Também está demonstrado que não houve qualquer falha de sistema. O próprio prontuário registra que, horas depois, na UTI, a equipe médica prescreveu corretamente a adrenalina pela via inalatória, evidenciando que o software registra adequadamente as vias de administração e não sofreu instabilidade capaz de alterar prescrições", diz trecho do documento.
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Investigação
No dia 26 de novembro, o Conselho Regional de Medicina do Amazonas (CREMAM) abriu processo ético sigiloso para apurar a conduta da médica. O Hospital Santa Júlia afastou tanto Juliana quanto a técnica de enfermagem Raiza Bentes.
Em relatório enviado à Polícia Civil, ao qual a Rede Amazônica teve acesso, Juliana reconheceu que errou ao prescrever adrenalina na veia. Ela afirmou ter informado à mãe que a medicação deveria ser administrada por via oral e disse ter se surpreendido pela enfermagem não questionar a prescrição.
A técnica Raiza Bentes declarou que apenas seguiu o que estava registrado no sistema.
O delegado Marcelo Martins investiga o caso como homicídio doloso qualificado, considerando inclusive a possibilidade de crueldade.
O caso
Benício foi levado ao Hospital Santa Júlia no dia 22 de novembro com tosse seca e suspeita de laringite. Segundo a família, ele recebeu lavagem nasal, soro, xarope e três doses de adrenalina intravenosa de 3 ml a cada 30 minutos, aplicadas por uma técnica de enfermagem.
"Meu filho nunca tinha tomado adrenalina pela veia, só por nebulização. Perguntamos, e a técnica disse que também nunca tinha aplicado desse jeito. Mas afirmou que estava na prescrição", relatou o pai.
O menino piorou rapidamente: ficou pálido, com membros arroxeados, e disse que "o coração estava queimando".
A saturação caiu para cerca de 75%. Ele foi levado à sala vermelha e depois para a UTI por volta das 23h. Durante a intubação, sofreu as primeiras paradas cardíacas. Foram seis no total. Ele morreu às 2h55 do dia 23 de novembro.
Infográfico - Caso Benício
Arte g1
Benício Xavier, de 6 anos, morreu após receber dose incorreta de adrenalina em hospital de Manaus.
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